segunda-feira, 28 de julho de 2014

Portugal é um pionés



Um grupo financeiro pode pedir que os mercados sejam suspensos. E nem por isso é apelidado de irresponsável que viveu acima das suas possibilidades. Além disso, o BES não é o GES. Repita comigo. O BES não é o GES. Um grupo financeiro pode pedir proteção contra credores. Mas não é acusado de não honrar os seus compromissos. O BES não é o GES. Um grupo financeiro pode reestruturar a sua dívida. E não é apontado de, assim, entrar numa perigosa fantasia irrealizável, esquerdalhona e perigosa. O BES não é o GES.  Um grupo financeiro pode adiar a apresentação de contas para se proteger dos mercados, sem ser logo rotulado de sulista, preguiçoso e improdutivo que vive à custa dos rigorosos do norte. O GES não é o BES. Muitas empresas portuguesas estão expostas ao grupo financeiro ES, o rating do Banco cai, as suas ações despenham-se, mas não é considerado culpado, merecedor de castigo e sacrifício. O GES não é o BES. Repita comigo. Portugal não é um país. Um país não é Portugal.

domingo, 20 de julho de 2014

GOVERNO INIMIGO


O que pode fazer um governo de um país onde as grávidas vão para o hospital porque têm fome, há empresas que obrigam as mulheres a assinar declarações em como não engravidam ou que despedem quem está de bebé (números que não param de aumentar)? Muitas coisas. Mas a miséria, o desemprego e a injustiça não se combatem com a diminuição do imposto para veículos com mais de 5 lugares, como propõe Passos Coelho.

A diminuição da natalidade como consequência da crise (existem outras causas) combate-se parando de convidar os portugueses a emigrar, apostando na criação de emprego, aumentando o salário mínimo,  diminuindo a precariedade e insegurança no trabalho. Quem quer ter filhos não está à espera de deduções no IRS. Anseia por um emprego com direitos, escolas públicas disponíveis, a possibilidade de uma casa. Um futuro. O resto é conversa moralista e propaganda – melhor ilustrada pelo nome do relatório encomendado pelo governo: “Por um Portugal amigo das crianças, das famílias e da natalidade” Uau. Por um Portugal dos pequenitos. Está tudo dito.

quarta-feira, 16 de julho de 2014

BANCADA CENTRAL

Philippe Legrain, ex-conselheiro de Durão Barroso (e não um perigoso esquerdalhão), publicou um livro explicando que os programas da troika em Portugal e na Grécia serviram para salvar os bancos alemães e franceses. Estes estavam demasiados expostos à dívida pública desses países e queriam evitar perdas. Além disso, a UE injetou nos bancos 1,3 biliões de euros em 4 anos. Sobretudo nos alemães, franceses e ingleses. Valor astronómico quando comparado aos empréstimos troikanos que em nada beneficiaram países como Portugal. Aliás, antes da crise financeira, a nossa dívida era 68% do PIB. Agora é mais do dobro.

Portanto, é mentirosa a ideia de que os alemães nos sustentam e de que vivemos acima das nossas possibilidades. Nós sustentámos os bancos alemães que viveram acima das suas possibilidades. E o sistema financeiro tem um poder absoluto sobre as democracias. Neste pós BPN, veremos como se desenrolará o caso BES. Para já, fez disparar os juros da dívida, coisa que nunca a Constituição e os seus juízes, os nossos salários ou direitos conseguiram.

quarta-feira, 9 de julho de 2014

Nós, os índios

"A forma mais adoptada de mutilação era a de cortar queixos e narizes. Las Casas contou como uma mulher, ao ver que os exércitos espanhóis avançavam com os seus cães, se enforcou com o filho. Um dos soldados ao chegar junto dela cortou a criança em duas, deu metade aos cães e em seguida pediu a um frade que lhe administrasse a extrema-unção para que ela pudesse ter um lugar garantido no céu de Cristo. (...) Os Espanhóis chacinaram os Índios de consciência limpa porque estavam convencidos de que sabiam o que era um ser humano normal: "Não conseguíamos entender uma palavra da sua língua, os seus modos e até mesmo o seu aspecto e roupas eram muito diferentes dos nossos. Qual de nós é que não os tomaria por brutos e selvagens? (...) Afinal de contas...eles desconheciam o nosso beija-mão e a nossas profundas e complexas vénias..."

Alain de Botton, O consolo da filosofia.

domingo, 6 de julho de 2014

De 5 em 5 minutos

O 25 de Abril só foi há 40 anos, mas grande parte do país esqueceu-se como foi viver em ditadura, como se apagasse uma memória traumática. E parte das elites políticas agradecem esse oblívio.

Não havendo serviço nacional de saúde, mulheres, bebés e mais velhos caíam que nem tordos. Muitos pais em vez de berço tinham caixão. Não existindo estado social mas apenas assistencialismo, miúdos e graúdos passavam dias a trabalhar em jejum, tinham sapatos depois dos 20 e só ao Domingo. Os mendigos iam para centros reeducativos, como a Mitra, para aprender obediência, culpa e gratidão. Com uma escola pública mirrada, a regra era “filho de pescador és, pescador serás”. Muitos abalavam, com os passadores, a salto, tolhidos de fome e frio, a pé, para chegar a Paris semanas depois. Era a fuga para ganhar a vida e ganhar vida. Foi só há 40 anos. Agora, sai um português para o estrangeiro cada 5 minutos. Muitos partem cheios de esperança, oxalá vinguem, mas partem-nos a nós a esperança de que isto volte ao sítio. Sobretudo, trazem-nos muitas recordações.

Gosto