É SÓ O COMEÇO
No primeiro mandato, Cavaco Silva primou pela cooperação estratégica com Sócrates. Geralmente, adoptou a atitude ‘deixem o governo trabalhar’. Na prática, só dele discordou em relação aos costumes, vetando diplomas correspondentes como, por exemplo, a lei do divórcio. Ou seja, nas políticas económicas e sociais esteve de acordo com este executivo. Foi cúmplice e contribuiu para a actual situação, abdicando dos poderes presidenciais que poderiam alterar o rumo do país. Chegou mesmo a emprestar Catroga, um dos seus homens-fortes, para negociar o orçamento. É verdade que, perante as políticas nada socialistas do governo, o presidente estaria tendencialmente de acordo. Mas não foi esse o principal motivo para adoptar essa estratégia. A razão maior foi garantir a sua reeleição. Para não levantar ondas que o prejudicassem, anuiu a tudo. Dúvidas restassem e repare-se nesta semana de campanha.
Quase subitamente, o candidato passou a criticar o governo, a demarcar-se das suas opções, a falar de uma crise política. Com que coerência ou até moral, é caso para perguntar. Mas isto é só o começo, como o próprio disse a outro propósito. Cavaco prepara o segundo mandato. Mais activo. Sobretudo, mais favorável a um atalho para a direita chegar mais depressa ao poder.
Publicado no Correio da Manhã. PECADILHOS PRESIDENCIAIS
Ao contrário de outros ocupantes de Belém, Cavaco não conseguiu expandir a sua base eleitoral. Logo, não poderia dar-se ao luxo de perder simpatias nos sectores mais conservadores. Mas nem a colagem que fez à visita do Papa a Portugal conseguiu apagar a raiva que a promulgação do casamento entre pessoas do mesmo sexo provocou na igreja católica. Daí que o recandidato se desdobre em piscadelas de olho a essas hostes. A ponto de muito criticar os cortes no ensino privado. Mas ontem, deu mais um passo. Como a igreja católica e outros cultos estão legalmente impedidos de apelar ao voto num candidato e, neste caso, pouco motivados em recomendar a cruz num “traidor”, Cavaco pediu a um padre que apelasse ao voto. Nele próprio, subentenda-se. Se Maomé não vai à montanha, a montanha vai a Maomé. Mesmo que, pelo caminho, pise princípios como a laicidade do Estado. Ou mesmo esse valor básico que é um pouco de decoro, senhor.
MOITA-CARRASCO
Além do objectivo de evitar a vinda do FMI (por motivos diversos), São Bento e Belém partilham, nestas presidenciais, outro denominador comum: o apelo ao silêncio. O Presidente requer, reiteradamente, que não critiquem os mercados. Que, perante a ofensiva, se “coma e cale”. E nada esclarece sobre o BPN. Já o Primeiro-Ministro entende que o melhor é “não falar” sobre a ajuda internacional. Também o Ministro das Finanças censura quem discute o BPN alegando que isso prejudica o banco. O Presidente agradece.
Pelos critérios de Cavaco, Sócrates e Teixeira dos Santos, sobre a crise, as respectivas respostas e o banco que ficará para a história como o escândalo do regime, os portugueses deveriam ficar quietinhos e calados. Vingassem estes critérios e sobre nada relevante se poderia falar, mesmo durante uma campanha eleitoral! Enfim, estes “xius” e “caludas” dizem tudo sobre a concepção de democracia de quem os profere. E sobre os que une.
Publicado no Correio da Manhã
ACÇÕES E PALAVRAS
O cidadão Cavaco Silva comprou e vendeu acções da SLN (sem cotação na bolsa, logo, por contrato) a uma empresa dirigida pelo círculo político da sua criação.Tão próximo que, já Presidente, nomeou Dias Loureiro conselheiro de Estado e fez a sua defesa pública. Com esse negócio, rapidamente lucrou mais do que o BPN ganhou nesse ano. Aliás, as vantagens de Cavaco (140%), somadas a muitas outras mercancias, sepultaram o banco e são agora ferozes prejuízos para o país.
Com os contactos que tinha no BPN, como accionista e magnificente economista, é difícil crer no candor de Cavaco. Além disso, sem dúvidas, promulgou a nacionalização do banco (excluindo a SLN) e incluiu nesta comissão de honra (!) vários desses correligionários. Cavaco bem pode persistir no acto de "remediado e honesto".
Não está em causa o miolo do seu colchão. Mas a sua transparência. Só garantida pela divulgação do dito contrato. O BPN não devia consumir estas presidenciais. Se o fizer, a responsabilidade é do candidato. Porque teima em nada esclarecer. Porque sobre outros temas também nada esclareceria, valendo-se do dom para falar sem nada dizer ou ficar calado. Mas, desta vez, os seus gongóricos tabus podem sair-lhe caros. E hipervalorizar a questão. Para aí em 140%.