segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Segunda semana de campanha

UMA REFLEXÃO

Nestas presidências, a abstenção será, mais uma vez, um dos candidatos silenciosos interpretado e escalpelizado por comentadores e analistas. Se alguns entendem que esse fenómeno se deve à dificuldade dos políticos em cativar os eleitores, outros defendem que é resultado do alheamento dos votantes. E se um argumento não tem que excluir o outro, vale a pena ter um critério que permita perceber melhor para que lado pende a balança.

As audiências dos debates e tempos de antena é um deles. Em 2005, só três debates presidenciais integraram o top 15 de audiências. Em 2010, sucedeu o mesmo. Já nestas presidenciais, os tempos de antena foram sempre o programa mais visto. Sem contar com as peças de campanha que todos os noticiários divulgaram diariamente. Estes números permitem considerar, pelo menos, que os eleitores não estão assim tão desinteressados. Podem abster-se, mas informam-se. Logo, será necessário que os protagonistas políticos repensem sobre as suas formas de intervenção. Sendo que, a fórmula mágica não mora nas redes sociais, como esta campanha também demonstrou. A mudança terá que ser outra. Mas esse assunto terá que ficar para outra altura. Paradoxalmente, este dia de alheamento por decreto dos eleitores não permite mais reflexão.


Publicado no Correio da Manhã.


APOCALIPSE PEQUENINO


Nesta recta final, assustado com a queda nas sondagens, Cavaco dramatizou o discurso. Nada mais normal do que queimar os últimos cartuchos. Mas há limites. A instigação do medo, a chantagem e a demagogia são alguns deles. Ontem, o candidato ultrapassou-os todos.

Há uns dias afirmou que o país não suportaria os custos económicos de uma segunda volta, atacando a essência da democracia e tentando contaminar o eleitorado com o seu próprio pânico de não ser eleito à primeira. Agora, diz que se a sua recondução não for garantida no Domingo, corre-se o risco de o juro da dívida aumentar. Enfim, o que Cavaco gostava mesmo era de uma Marinha Grande. Como não há, embarcou na linguagem das trevas. Se os portugueses não o elegerem já, serão castigados. O céu abater-se-á sobre as suas cabeças. Chegará a peste. Uma prédica destas só pode ser inspirada nas narrativas do Terramoto de 1755. E isso sim, é profundamente aterrorizador.

Publicado no Correio da Manhã.
O LOBO E A COELHA

As acções, a Aldeia da Coelha, o financiamento da campanha 2006, o Conselho de Estado, as comissões de honra, mostram que a matilha BPN não é só ex-colaboradores de Cavaco. Continua a ser uma parceira. O que é relevante, sobretudo, para quem alardeia beatíficas qualidades pessoais, em vez de posições políticas. E ao remeter explicações para o pós escrutínio que uma campanha também representa, o candidato revela o seu desdém pela transparência que a instituição máxima do regime obriga. Enfim, mais uma razão para lutar por uma segunda volta.

Mas Cavaco alega que isso seria demasiado dispendioso. E como tem a campanha, de longe, mais cara (embora prometesse contenção), percebe-se que sob o seu ataque à democracia e populismo, sob os custos económicos para Portugal, fala dos custos políticos que outra volta teria para si próprio. A única variável que, algum dia, o motivou. Essa sim, uma pesada factura para o país. Já descontando o buraco BPN, claro.

Publicado no Correio da Manhã.

CHEIRA A MOFO

Com orgulho latino, Cavaco gabou-se da mulher, cuja reforma é de 800 euros, depender dele economicamente: “Mas como ela está sempre ao meu lado, merece”, disse. De facto, a senhora ladeava-o sorrindo, merecendo a magnânime assistência. Já os que auferem reformas bem mais baixas (muitos) e que não têm cônjuges Presidentes (todos) ou os que defendem uma sociedade com mais equidade entre géneros não terão sorrido.

Num debate, o recandidato dedicou o seu minuto a elogiar mães e donas de casa. Mas não se referiu às mulheres na vida empresarial, académica, cultural, política. Ou aos homens que tratam da casa e filhos. Cavaco opôs-se à lei da paridade e à legalização da IVG. À violência doméstica respondeu com um silêncio sepulcral. Enfim, este mofo corresponde a uma certa perspectiva do país. O da moral e brandos costumes, ordeiro, à procura do pai providencial. Que faça por merecer ajuda. E lhe fique eternamente grato. O portugalinho pobre mas bem-agradecido.

Publicado no Correio da Manhã.

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