Por uma dessas coincidências da vida estava no mesmo hospital quando faleceu Fernando Lopes, meu amigo de há cinquenta anos.Encontrámo-nos como dois não-lisboetas que gostavam de Lisboa e sua ilhas de liberdade num Portugal amordaçado. Para o Fernando, o Cinema, para mim as Associações de Estudantes, para os dois o mundo da cultura, da inovação e do convívio entre gente de qualidade. O local de encontro foi o VÁVÁ, esse café mágico dos anos sessenta, no cruzamento das avenidas dos EUA e de Roma onde se teceu a modernidade, e até a post-modernidade, entre estudantes subversivos, artistas rebeldes e publicítários criativos. Lembro-me como se fosse hoje, e especialmente hoje, da nossa partida do café para irmos, em grupo comandado pro essa agregadora chamada Milice Ribeiro dos Santos, à estreia do Belarmino em 1964. Um literal murro no estômago, com savoir-faire. E, depois, as noites da Lisboa dos cafés e dos restaurantes, desde o Monte Carlo e Monumental, à Ribadouro e ao Gambrinus. Uma amizade tecida entre notícias das novidades culturais e políticas, com muita emulação para agradar ao auditório feminino da emancipação emergente.
O meu exílio interrompeu esse convívio quotidiano por seis anos, durante os quais o Fernando se revelou aquele líder da organização do moderno cinema português que todos reconhecem.Mas o 25 de Abril voltou a reunir-nos de várias maneiras: estivemos juntos em alguns dos bons combates políticos do nosso tempo, e o Fernando produziu das melhores campanhas políticas, como as do General Ramalho Eanes. Sim, porque o Fernando Lopes não foi só um cineasta e um director de programas de referência- foi ele o responsável pela vinda do Sesame Street- e o que deu o selo de qualidade ao Canal 2 do seu melhor tempo. Ele foi sobretudo um cidadão e um homem de cultura inovador, muito à frente do seu tempo e das suas circunstâncias.
Um abraço continuado para a Maria João e filhos.