domingo, 30 de novembro de 2014

Acto falhado



A sala estava meia vazia, as palmas foram sempre a meio gás, as palavras projetadas com meia convicção. Os semblantes mostravam-se ora ausentes ora estafados. Enfim, o Partido Socialista gastou tanta energia para evitar que Sócrates fosse o centro que ficou completamente esgotado. E já não sobrou força para o  próprio congresso. Objetivo meio cumprido, portanto. Tanto esforço para recalcar um tema que depois só pode sair um acto falhado. O problema é que talvez seja este o futuro próximo do PS. Se Sócrates teimar no “se for ao fundo, levo o PS comigo”, na defesa na praça pública, o Largo do Rato poderá ter que gastar grande parte dos seus recursos na contenção desses danos, na gestão desses riscos, pouco restando depois para as ideias, a oposição, as eleições e, sobretudo, o país. No sábado de manhã talvez o PS achasse que bastava escolher “Sócrates ou o partido”. Ao final do dia, entendeu que eliminar a primeira a opção é, em si mesmo, todo um programa.

Publicado no Correio da Manhã

sábado, 29 de novembro de 2014

Elefante Feroz





A família decidiu organizar uma grande festa para celebrar o retorno do menino de ouro, depois de uma travessia no deserto. Bonito. O problema foi que, a uma semana do baile, rebentou o escândalo: o de ouro foi acusado de muito mau comportamento. Que ironia. Pretendia-se comemorar o seu regresso. Mas não era bem esse tipo de regresso que se pretendia. Portanto, agora, o chefe de família gostaria que a conversa fosse outra e que tudo parecesse normal. “Vá, está quase a chegar a tia Mimi. Comportem-se, digam sempre muito obrigado e não falem de política”. Mas o filho pródigo e o patriarca decidiram, pelo contrário, continuar a polémica com os convidados, mantendo o embaraço vivo,  deixando os familiares e visitas a murmurar, aos pares e aos trios, encolhidos na cozinha e pelos corredores. Aliás, no meio da sala só restou o elefante. Com um ar feroz.

quinta-feira, 27 de novembro de 2014


“À justiça o que é da justiça, à política o que é da política”- esta tem sido uma das frases mais repetidas. Pateticamente. Se estão preocupados com a separação de poderes, digam: “À política o que é da política. Ao poder económico o que é do poder económico.” Explico. Mal Sócrates foi preso começou o ataque à justiça, como se o problema fosse esse e não o facto extraordinário de existir um ex-PM acusado de corrupção e branqueamento de capitais. E isto é que é o coração da discussão.
Isso e como o Estado se fundiu com os privados, sendo que o nosso dinheiro e recursos foram capturados por uma pequena dinastia partidária e empresarial consanguínea. A mesma que nunca fez nem fará do combate à corrupção uma prioridade. Ou seja, a questão, depois do BPN, BPP, BES, PPP’s, swaps, vistos Gold, Sócrates e o mais que está para vir (há mais), é como evitar maior subversão do regime democrático e estancar a violação do artigo 80º da Constituição - o poder económico deve subordinar-se ao poder político. O resto é conversa. Ou fraude e branqueamento da verdade.

Publicado no Correio da Manhã

terça-feira, 18 de novembro de 2014

VENDER A ALMA




Existem os vistos de ouro e existem os que foram vistos vivos pela última vez apinhados numa casca de noz a tentar atravessar o mediterrâneo. Mar que é hoje um imenso túmulo da esperança. Como é possível que o Estado assuma, na nossa cara e sem pinga de vergonha, que prefere dar direitos a quem quer branquear capital do que a quem quer trabalhar?

É possível porque estes “passaportes” mostram o que a casta dona-disto-tudo pensa da democracia e da nação– não valem nada quando comparadas com a nota. Sobretudo, os vistos dourados são a demonstração última que a corrupção não é um problema de um punhado de boys gananciosos mas que é sistémica. Afinal, só se vende nacionalidade e cidadania, só se mercadejam direitos e preferem-se os do dinheiro aos humanos, quando a corrupção é um aspecto essencial do sistema, ajuda a que ele se mantenha e não uma vertigem de quem chegou ao topo. Isto é, a corrupção não é um cancro que metastiza este regime. A corrupção é a rede que o sustém. O resto é apenas espuma dos dias e o silêncio não de ouro de um presidente.

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

História de um ego

Eleições só daqui a um ano, afirma o Presidente da República. A não ser que aconteça uma hecatombe, este governo em estertor vai agonizar o país até lá. Cavaco não é sensível ao estado da nação ou à vontade dos cidadãos. Nem sequer à necessidade de um orçamento que, com eleições no Outono, não será apresentado dentro do prazo, criando dificuldades suplementares. Enfim, o PR defende mais instabilidade em nome da estabilidade. Mas nada disto o preocupa. Uma das poucas coisas que realmente o apoquenta é manter no poder o executivo do seu PSD o mais possível. A ponto de afirmar que o próximo governo tem que ser maioritário – não quer também indicar em quem os portugueses devem votar?

A única forma que Cavaco tinha de terminar o mandato com dignidade e ficar para a história (a outra coisa que o preocupa) era antecipando eleições, cuidando que não seria o seu sucessor a resolver um imbróglio político por si criado. Fazendo o contrário, só pensando em si e nos seus, este PR constará nos livros pelos piores motivos. E ponto final.

Publicado no Correio da Manhã.

Gosto