O autor, Terry Gilliam, é conhecido pelas colagens surrealistas e psicadélicas das suas animações para os saudosos ‘Monty Python'. Além disso, criou um cosmos cinematográfico. ‘Parnassus' prolonga a batalha contra o cinzentismo do seu épico orwelliano ‘Brazil' (1985) ou as quimeras "infantis" das 1001 noites de ‘A Fantástica Aventura do Barão Munchausen' (1988). Agora, munido da artilharia digital, Gilliam torna o incrível em crível.
‘Parnassus' era um homem sábio que, quase imóvel num convento, contava histórias. Acreditava que elas são o tecido que sustêm o universo. Ele existe se existir ficção. Porque é na fantasia que está a verdade. Três mil anos depois, ‘Parnassus' continua vivo. Mas decrépito, porque, no século XXI, poucos se interessam por histórias e a sua arte reduz-se a um teatrinho caduco e itinerante. Mesmo que ‘Parnassus' convide a transpor um espelho, género o de ‘Alice', atrás do qual está a imaginação do próprio espectador. Que proponha que cada um conte a si mesmo a sua história.
Pior é o outro motivo pelo qual ‘Parnassus' está decadente. Como numa fábula de ‘Fausto', fez um pacto com o Diabo e trocou a filha pela imortalidade. O mago devolve ao público a alma, mas arrisca-se a perder a sua. É desta luta entre o Mal e o Bem, entre o Diabo (formato Tom Waits) e Deus (formato sem-abrigo), entre o materialismo e a imaginação que se enrola o enredo. O fantástico de Gilliam expande-se. Há quem reduza este filme a Heath Ledger, que morreu durante as rodagens. Mas é a imagem a estrela desta longa-metragem.
Até pode ser que Ledger seja como James Dean e todos os que, como diz uma personagem, têm vida eterna porque nem a morte é permanente. Ou porque plantaram árvores, filhos (renegados por ‘Parnassus') e livros (histórias). Tal como Gilliam, cuja capacidade narrativa se revela, inclusive, na tenacidade inventiva com que conseguiu terminar a obra, tendo perdido o actor.
‘Parnassus' é o próprio realizador, gerador de paisagens, estéticas e heróis excêntricos. Talvez inspirado no Parnassus mitológico, o fundador de Delfos, que via o futuro no voo dos pássaros, o pai dos poetas. No século XVI, Rafael pintou-o como o paraíso da Renascença. No século XIX, escritores deram o seu nome a uma corrente que defendia a arte pela arte, a forma como a essência e objectivo da arte, em oposição à arte útil.
É esse o ‘Parnassus' de Gilliam. Aquele que ainda existe porque sobre ele se continuam a contar longas histórias.
(Imagem: Parnassus de Mantegna, 1496)