Parece que muitos estão espantados com a fraca empatia que o desmaio de Cavaco Silva provocou. Mas talvez não existam motivos para surpresa.
Todas
as sociedades precisam de construir modos de lidar com emoções básicas, canalizando
o desejo/perda/entusiasmo de forma a que promovam a reciprocidade ou a
compaixão e contendo/transformando o medo/ansiedade/aversão: “Todas as
sociedades precisam então de algo como espírito da tragédia e o espírito da
comédia – o primeiro modelando a compaixão e o sentimento de perda, o último
indicando formas de elevar-se acima da aversão” (Nussbaum, 2004). Aristóteles
na sua Retórica, incluía dois grupos
de compaixão trágica, o primeiro
reportando-se a coisas como morte, lesões corporais, velhice, doença (o caso de
Cavaco Silva). O segundo a coisas más pelas quais a sorte é a responsável como
a fealdade. Foi Hegel quem enfatizou o significado político da tragédia que
mostra como são duros os resultados que se colhem quando duas esferas da vida
se opõem e se tem de escolher entre elas. Ou seja, a tragédia funciona na
medida em que leva quem assiste a refletir sobre como seria se as pessoas não
tivessem que fazer tais escolhas, se fosse possível sanar as contradições e
reconciliar as forças. Por exemplo, conciliando religião e Estado, emancipação
da mulher/família. A tragédia e a comédia são, assim, poderosas ferramentas
para suplantar a segmentação social.
A própria seleção natural favorece
os animais que praticam o altruísmo recíproco (como os elefantes) especialmente
quando os benefícios da cooperação excedem os custos. Para os humanos, a
comunidade oferece tantas vantagens de proteção mútua, disponibilidade de
alimentos, compaixão e justiça que evolutivamente também é altamente
proveitosa. Contudo, promover a compaixão implica que o objeto dessa compaixão
não seja percepcionado como sendo o causador da sua própria tragédia (mesmo
entre os macacos-rhesus tal acontece) e, preferencialmente, que a situação seja
tida como de “possibilidades semelhantes” (“podia ser comigo”). Implica
seriedade/semelhança e ausência de culpa. E essa compaixão recusa o
medo/aversão próprios mas projetados sobre o outro.
Ou
seja, empatia e compaixão podem ser bloqueadas quando se considera que a
situação difícil em que o indivíduo se encontra é da sua própria
responsabilidade. Por exemplo, o mentiroso discurso do “vivemos acima das
nossas possibilidades”, o discurso da culpa, facilmente trava a empatia e
compaixão que se pudesse sentir pelos desempregados, precários, falidos. Cavaco
Silva não foi alvo de compaixão porque é perspetivado como o responsável pela
sua próprio mal-estar. Porque não contribui para a solução dos problemas do
país, o momento de tensão que pode estar a passar é atribuído à
responsabilidade do próprio. Pior. A ausência de compaixão perante Cavaco Silva
é também reflexo de uma política que tem promovido sistematicamente a culpa e
aversão, em vez do espírito de tragédia e comédia. E este é um dos piores
resultados da política de austeridade: a destruição final do que restava de um
certo modelo de sociedade.
Mais aqui